A primeira vez que vi um homem chorando eu tinha mais ou menos uns 10 anos.
O dia estava nublado e a cortina quase toda fechada. Por uma pequena fresta na janela eu via algumas nuvens pretas que se precipitavam. Ele sentava espremido em um canto de sofá. Um canto que ficava perto da parede; Bem longe da luz.
As pernas dobradas, os braços cruzados, seu rosto coberto pela sombra.
Os olhos embriagados de lágrimas.
De tão pouco espaço que ocupava, parecia que ia sumir. Desaparecer para sempre, sem deixar vestígio nenhum.
E de tudo era a música que me dava certeza. Uma melodia pesada tocava repetidamente na vitrola. Era melancólica, triste. Arrastada. Poderia ser um fado ou qualquer outra coisa assim. Mas não sei ao certo. Não tinha idade para compreender.
A música pairava no ar como uma fumaça. Dava à sala, que eu tão bem conhecia, um contorno que nunca tinha visto. Tirava tudo do lugar. Recolocava. Agora faltava alguma coisa. Notei objetos que nunca tinha visto. Reparei na poeira que cobria os livros que eu costumava ler. Notei que era a primeira vez que usávamos o abajour azul comprado no exterior. Essa era também a primeira vez que eu estava acordada até tão tarde. Mas ninguém parecia notar minha primeira rebeldia.
Nada tinha tanta importância quanto aquela música. Ela ocupava todos os espaços. Entrava até onde não era permitido. Dava voz ao que estava preso na garganta. Inventava argumentos. Comprazia o inimigo.
Eu perguntei se poderíamos ouvir o disco novo que eu tinha acabado de ganhar. Mas aquela música não deixava lugar para euforias. Não deixava espaço para a inocência. Não permitia a alegria.
Ainda hoje penso nisso quando ligo a música. Ainda hoje penso que deveria ser melhor desligar o repeat.
Demorou anos até que eu finalmente entedesse.
O dia estava nublado e a cortina quase toda fechada. Por uma pequena fresta na janela eu via algumas nuvens pretas que se precipitavam. Ele sentava espremido em um canto de sofá. Um canto que ficava perto da parede; Bem longe da luz.
As pernas dobradas, os braços cruzados, seu rosto coberto pela sombra.
Os olhos embriagados de lágrimas.
De tão pouco espaço que ocupava, parecia que ia sumir. Desaparecer para sempre, sem deixar vestígio nenhum.
E de tudo era a música que me dava certeza. Uma melodia pesada tocava repetidamente na vitrola. Era melancólica, triste. Arrastada. Poderia ser um fado ou qualquer outra coisa assim. Mas não sei ao certo. Não tinha idade para compreender.
A música pairava no ar como uma fumaça. Dava à sala, que eu tão bem conhecia, um contorno que nunca tinha visto. Tirava tudo do lugar. Recolocava. Agora faltava alguma coisa. Notei objetos que nunca tinha visto. Reparei na poeira que cobria os livros que eu costumava ler. Notei que era a primeira vez que usávamos o abajour azul comprado no exterior. Essa era também a primeira vez que eu estava acordada até tão tarde. Mas ninguém parecia notar minha primeira rebeldia.
Nada tinha tanta importância quanto aquela música. Ela ocupava todos os espaços. Entrava até onde não era permitido. Dava voz ao que estava preso na garganta. Inventava argumentos. Comprazia o inimigo.
Eu perguntei se poderíamos ouvir o disco novo que eu tinha acabado de ganhar. Mas aquela música não deixava lugar para euforias. Não deixava espaço para a inocência. Não permitia a alegria.
Ainda hoje penso nisso quando ligo a música. Ainda hoje penso que deveria ser melhor desligar o repeat.
Demorou anos até que eu finalmente entedesse.
posted by Raquel at 7:56 PM
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