Tuesday, September 19, 2006

Me fizeram um desafio. Eu tinha alguns minutos para escrever sobre um abacate. Isso. Um abacate.

Acho que de todos os desafios que já recebi esse me parecia o mais simples. Não porque a proposta fosse completamente infundamentada ou não tivesse uma intenção.

Mas porque o desafio permitiria que eu me despisse de meus entusiasmos, de meus dramas, de minhas euforias. De tudo. Eu poderia parar de narrar. Poderia desligar o Guillemots que já estava há muito tempo no repeat e abrir a janela. Poderia não me comportar como eu mesma.

Poderia pensar que eu gosto de comer abacate com limão e como é bonito aquele suave degradé que vai do verde escuro da casca até o amarelo de dentro. Poderia pensar que isso me lembrava de alguém que tivesse os olhos verdes. Poderia esquecer o motivo que me fazia ficar no trabalho até tão tarde, negligenciando a possibilidade de ir pra casa.

Poderia esquecer que era sexta-feira, mas que na realidade pra mim tanto fazia. Tanto fazia segunda também. Domingo ou quinta. Com sutis diferenças, todos os dias eram os mesmos. No sábado eu poderia beber e dormir até mais tarde. Às quartas tenho analista. Tanto fazia.

Minha cadeira era confortável e eu ia mimando meu tédio, aos poucos, com suaves remédios. Emails, blogs, sites, msn. Um mundo que não foi feito para ser vivido brutalmente preenchia todos os espaços e ia ocupando muito mais espaço do que deveria.

Mas nisso tudo, o que importava realmente era meu desafio. Era escrever sobre o abacate. Sobre a gordura saudável que tinha o abacate e sobre a vitamina D que os médicos tanto recomendam. Eu poderia também tentar falar das receitas de creme de abacate. Ou procurar no Google como culturas distantes comem abacate. A única coisa que sabia, porém, era que os americanos fazem sushi com abacate em vez de manga. Alguém me contou.

Fora isso, não sabia mais nada. Nada de relevante ou interessante. Nada que eu pudesse fazer. Passava de meia-noite e eu tinha atendido 3 telefonemas que me obrigaram a ver do lado de fora. Me obrigavrm a dizer não. Negar o que eu poderia fazer. Continuar offline.

E permanecer online. Mesmo sem saber aonde isso ia levar. Esquecendo mais do que pensando. Fazendo mais do que me permitiria uma reflexão. Sem fazer nada. Sem rever nada. Com uma sensação estranha de que deveria ser diferente. Sem medo, sem idéia. Sentindo nada.

Who let the lights off, baby?

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