Friday, February 01, 2008

Drinking Milk Shakes cold and long
Tudo começou num domingo chuvoso. Bem, na realidade num sábado. Mas o sábado não vem ao caso.
Então voltemos ao domingo.
Não ia à praia há anos.
Estava chovendo e faziam mais ou menos 20 graus. Pensei em dar uma caminhada pela orla. E fui.
Claro. Eu estava sozinha lá. Nem mais uma alma viva.
Me sentia quase onipotente. Estava radiante.
Era o anonimato mais completo e visível que tinha experimentado. Uma praia de quilomêtros só minha.
Minha falta de bom senso me fez mergulhar mesmo com trovões, chuva e falta de roupa de banho.
Entrei no mar de calça e camiseta e só saí da água porque fazia mais de meia hora em que não avistava a minha bolsa. Na altura em que consegui chegar na areia, um gari já se aproximava achando que aquela minúscula coisa azul-piscina se tratava de lixo.
De longe consegui ver um bêbado que caminhava cambaleante com dois balões brancos. Achei aquilo um tanto esquisito, mas não estava em posição de questionar ninguém.
O resto do domingo foi quase nada. Um pouco de tudo que já tinha acontecido. Algumas horas amontoadas que se juntavam pouco a pouco anunciando o dia seguinte.
De madrugada resolvi arrumar umas gavetas, que não eram abertas desde o tempo em que eu abria gavetas. Arrumei. Ficaram lindas.
Comemorei com pães-de-queijo e voltei pra cama, de onde não deveria ter saído em uma hora daquelas.
Acordei com o despertador da televisão em uma segunda-feira que já tinha começado. Passava Melrose Place. Lembrei do Jake. Eu tinha uma queda pelo Jake.
Saí para o trabalho depois da hora de costume.
Consegui disfarçar com blush um cravo mal tirado que me deixou marcada a bochecha esquerda. Meu lado direito estava perfeito. Minha pele brilhava.
O dia começou como deveria. Simples. Sincero. Rápido. Tudo estava isento de questões. O dia estava lá pra ser vivido. Só isso. Uma montanha de coisas pra fazer me esperava. Eu subia em uma escada e, aos poucos, ia destruindo um pedaço do topo.
Sete horas. Ao sair, andei com uma amiga por um caminho que já conhecia. Uma faculdade que já conhecia. Um monte de estudantes novos cantando e me lembrando do que eu não tinha vivido. Um monte de estudantes que eu não lembrava.
Fomos a um shopping próximo. Comprei uma sombra. Ela comprou alguma coisa que a permitisse ver melhor o mundo. Falamos de sexo. Claro, sempre falamos de sexo. Eu tinha 18 anos de novo.
Chovia. Não tinha trânsito e faziam 18 graus. Minha amiga batia o queixo de frio.
Desmarquei a analista pelo próximo mês e comprei um creme de cabelo. Eu tinha certeza de que meu cabelo ficaria fantástico.
De repente lembrei do que não sabia. Lembrei daquelas aulas chatas de caligrafia. Lembrei do H todo em rococó que até hoje eu não sei fazer. Tem um monte de coisas que não sei fazer. Sei fingir que elas não existem.
Lembrei também da Polônia. Warszawa. E dos doces caseiros que tinham lá.
Ao chegar perto de casa comprei um milk shake.
O horóscopo do dia tinha previsto gastos extraordinários. Bem, desde que meu horóscopo falasse isso todo dia, ele não correria o risco de errar.
Eu ainda tomava meu Milk Shake quando liguei a televisão. A apresentadora, uma loura que eu desconhecia, apresentava o show. Era o Bowie e o Arcade Fire. Juntos.
Começou. O Bowie entra. Pushing thru the market square....
Vestido com uma roupa um tanto bizarra, que parecia ter sido emprestada pelo Paul Mccartney, ele olhava para os garotos do Arcade Fire com aquela expressão de grandiosidade generosa. Nesse dia o Bowie tinha saído de casa pra tocar com uns garotos. Os garotos estavam felizes. Sorriam, tocavam e cantavam com energia.
O Bowie sorria.
Minhas armas tinham sido lentamente desmontadas pelo dia.
De noite chorei.
O Bowie sorria.
Tudo o que eu fazia era passado. As gavetas. A praia. O shopping. A escrivaninha. O lápis e o papel.
Minha vida tinha rebobinado.
Tudo tem seu tempo

2 Comments:

Blogger Miss F said...

'Algumas horas amontoadas que se juntavam pouco a pouco anunciando o dia seguinte.'
Essa definição de domingo matou a pau...Pq no domingo a gente sempre tem uma sensação de preguiça misturada com uma pontinha de tristeza? Será pelo fato dos domigos alheios parecerem mais alegres e com milhões de coisas interessantes para se fazer? Ou porque não houveram lembranças felizes da noite de sábado?

4:22 AM  
Blogger Lu said...

Obrigada!
Da amiga que tá vendo melhor o mundo.... ;)

8:32 AM  

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